Cherreads

Chapter 50 - As Raízes das Sombras.

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Capítulo – As Raízes da Sombra

O Palácio do Norte ainda carregava o eco das canções do casamento real. Apesar das danças, das juras e das lágrimas sinceras, um peso invisível permanecia sobre as muralhas, como uma nuvem que recusa partir. Cora e Dimitry, pela primeira vez em muitos invernos, partilhavam o mesmo leito — um raro momento de alívio antes da tormenta que se anunciava.

Nos jardins gelados, ventos cortavam as folhas recém-caídas. Os velhos carvalhos dobravam-se em silêncio, e o som do vento parecia conter sussurros em línguas antigas.

No salão principal, o clima era solene.

— "Algo se ergue além da nossa vista," disse Dimitry a Adamir, o mestre conselheiro. "As flores secaram antes do tempo. Os rebanhos do sul não respondem às curas de Cora."

— "É a terra que adoece," respondeu o ancião. "E quando a terra sofre… os vivos sangram."

Na mesma noite, Kátyra repousava em seus aposentos. O quarto silencioso, decorado com tecidos claros e brasões de sua linhagem, contrastava com o abismo que ela carregava dentro de si. O casamento ainda a perturbava. O toque frio da aliança em seu dedo lembrava-lhe de promessas feitas entre guerra e dever, e não entre amor e liberdade.

Adormeceu.

E então vieram as trevas.

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O Pesadelo

Kátyra abriu os olhos num corredor de ébano. As paredes respiravam. As tochas queimavam com chamas negras. Um zumbido grave preenchia o ar, como vozes de mil demônios sussurrando ao mesmo tempo.

Ao fundo, um trono de ossos se ergueu. Nele, Erizy, nu da cintura para cima, os olhos como duas crateras queimando. Ao seu redor, quatro figuras encapuzadas, cada uma com um manto que parecia feito de fumaça.

— "Venha, Kátyra… nos dê o herdeiro," disse Erizy. "O trono não será completo sem o sangue da linhagem."

Ela tentou correr. Estava presa. Correntes de luz negra amarravam seus pulsos.

As figuras ao lado de Erizy se apresentaram em uníssono, vozes sobrepostas:

— "Eu sou Nekar, o olho que tudo vê."

— "Eu sou Voltrhuk, o dente que devora a luz."

— "Eu sou Ishelan, o manto do esquecimento."

— "E eu sou Molzecht, o arauto do fim."

Erizy se aproximou, e seus dedos queimavam a pele de Kátyra. Ela gritava. Eles riam. O trono se desfazia em vísceras e serpentes.

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Ela acordou com um grito. Tharion entrou num rompante, espada em punho, seguido de Orren e Aelys. Mas Kátyra já estava no chão, ofegando, trêmula, com os olhos perdidos no nada.

— "Eles estão vindo… Eles têm nomes..." — murmurou.

Tharion a segurou nos braços, pressionando a testa contra a dela.

— "Você está aqui. Está segura. Comigo."

Mas a segurança era ilusão. Do lado de fora do castelo, árvores negras brotavam ao longo das estradas, com seiva escura que corroía a terra. Animais fugiam em bandos. A sombra tinha lançado suas raízes.

Após o pesadelo, Kátyra acorda gritando. Tharion a segura nos braços. Dimitry entra no quarto sem anunciar, o olhar frio e calculado. Ele fecha a porta atrás de si. Cora vem logo depois, mas para ao ver o semblante do marido.

Dimitry (olhando fixamente para a filha):

— De que tipo de sonho você fugia… para gritar desse jeito?

Kátyra tenta responder, mas o corpo ainda treme. Tharion se ergue para dar espaço, mas permanece atento.

Kátyra (sussurrando):

— Erizy… ele estava lá. E aqueles outros… os Ataxas. Eles falaram comigo. Me viram. Me tocaram…

Dimitry (voz baixa, porém cortante):

— Ele não te possuiu. Nem em sonhos.

Ele se aproxima, abaixa-se à altura dela e segura o queixo da filha com firmeza, obrigando-a a encará-lo.

Dimitry:

— Não lhe dou o luxo de temer um monstro menor que você. O sangue que corre nas tuas veias é o mesmo que já queimou demônios vivos. Você é minha filha. Neta de Adam. Você carrega uma linhagem de titãs. Então pare de se curvar a sombras que não são dignas de tocá-la nem na morte.

Kátyra respira fundo. Fecha os olhos. Quando os abre, há raiva ali. Força. Um lampejo da tempestade interior que sempre tentou esconder.

Kátyra (em voz baixa):

— Ele vai pagar por cada gota de medo. Por cada nome sussurrado naquele sonho. Vai pagar por tudo.

Dimitry (erguendo-se):

— Esse é o tom que quero ouvir da minha herdeira. Não me faça voltar aqui por causa de choros noturnos. A guerra se aproxima. E eu quero ver minha filha como uma lâmina… não como uma pena soprada pelo vento.

Ele caminha até a porta. Antes de sair, volta-se uma última vez.

Dimitry:

— E Tharion… se ela cair, caia com ela. Se não puder fazer isso, então saia do caminho agora.

Tharion nada responde. Apenas aperta o punho discretamente.

Cora entra depois que Dimitry sai e abraça Kátyra. A mãe não diz uma só palavra. Mas basta o calor do abraço para desfazer a última névoa do sonho.

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Preparação para a Partida

Na manhã seguinte, Dimitry chamou o grupo à câmara de guerra.

— "Vocês seguirão para o sul. Levem os frascos com a cura de Cora. Descubram a origem dessas árvores. E não me tragam apenas esperança. Tragam verdades."

Seu olhar parou em Tharion.

— "E você. Lembre-se do que prometeu."

— Cuidarei dela.

— "Ainda assim ela grita teu nome nos sonhos. Não me faça quebrar o que ainda não quebrei."

Tharion apenas assentiu.

Antes de partir, Kátyra olhou uma última vez para o trono de pedra esculpido por Adam. Ali, onde outrora o avô sentava imponente, agora apenas o peso da herança a observava em silêncio.

— "Você é uma princesa. Mas será uma rainha… quando não precisar mais fugir nem do escuro… nem de si mesma."

Dimitry disse isso antes de se afastar.

Aelys preparava os cavalos. Orren ria de algo bobo. Mas todos estavam tensos.

A viagem começava. E com ela… o silêncio. O silêncio que precede o grito.

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