A viagem até as Montanhas de Varnheim não foi fácil. Os ventos cortantes e a neve constante pareciam querer devorar qualquer sinal de vida que se atrevesse a cruzar a vastidão gelada. Mas para Ethan e Elyss, a jornada era mais do que uma simples travessia; era uma corrida contra o tempo.
A mulher que haviam encontrado na vila destruída ainda estava inconsciente, sendo cuidadosamente transportada por Elyss. O semblante dela estava marcado pelo sofrimento, mas seus olhos, mesmo fechados, tinham algo peculiar. Como se estivessem vendo além das correntes do tempo e espaço. Quando ela despertou, foi com um olhar de pavor e alívio simultaneamente.
— O que aconteceu? — perguntou ela, a voz rouca e trêmula.
Ethan se aproximou, mantendo uma distância respeitosa.
— Estávamos procurando por você. Pelo que você disse antes de desmaiar... algo sobre o Fragmento estar "cantando"? O que isso significa?
Ela olhou para ele, seus olhos agora mais focados, como se estivesse tentando recuperar as peças dispersas de sua mente.
— O Fragmento da Memória... ele é diferente. Ele não se mostra como os outros. Não em forma física, mas através de sussurros... como uma canção que ecoa dentro da alma. Quando alguém é marcado por ele, começa a ouvir essa melodia. Mas não é uma melodia comum. É algo... ameaçador. Como se estivéssemos sendo atraídos para uma armadilha.
Ethan franziu o cenho, tentando digerir suas palavras.
— E você o ouviu?
A mulher hesitou, então assentiu.
— Eu o ouvi... mas não sou a única. A Ordem do Véu já está aqui. Eles têm conhecimento da Melodia. Estão atrás de todos os Fragmentos. Não podemos esperar mais. Precisamos chegar à biblioteca antes que eles o façam.
Elyss, que havia permanecido em silêncio até então, olhou para o horizonte, onde as montanhas se erguiam, imponentes e geladas. As palavras da mulher faziam sentido, e sua intuição dizia que estavam prestes a encarar algo muito maior do que esperavam.
— Então é isso que eles buscam? — perguntou Elyss, com um tom grave. — Os Fragmentos não são apenas objetos de poder, mas instrumentos de destruição. E o Fragmento da Memória... se realmente for o que dizem, tem o poder de controlar a mente e o tempo.
A mulher olhou para ela com uma expressão sombria.
— A Ordem tem planos. Eles pretendem usar os Fragmentos para reescrever a realidade. Ou, se não conseguirem, destruir o que não podem controlar.
A revelação deixou os dois em silêncio. Ethan, no entanto, não podia deixar de se perguntar o que mais estava em jogo. Não apenas a sobrevivência do mundo, mas o próprio tecido da realidade. Tudo que ele conhecia, tudo que ele acreditava ser verdadeiro, poderia ser manipulado por essas forças.
A mulher se levantou com dificuldade, mas seus olhos estavam agora mais firmes.
— O nome é Seraphine. Não tenho muito tempo para explicar, mas sei que a única chance que temos de impedir a Ordem é chegar à Biblioteca das Sombras antes deles. Lá, o Fragmento da Memória está guardado, mas não será fácil. O caminho até lá está protegido por uma magia ancestral que só aqueles que possuem a chave podem atravessar.
Ethan a observou, intrigado.
— E a chave... está em você?
Seraphine não respondeu imediatamente. Ela olhou para a estrada à frente, como se o peso das palavras fosse mais do que ela podia suportar. Então, com um suspiro profundo, ela finalmente disse:
— A chave é uma lembrança. Algo perdido no tempo, mas que será trazido de volta quando eu entrar no templo. Eu sei que é minha, mas não lembro exatamente o que é. E isso é o que me atormenta. Não lembro... de mim mesma.
Ela tocou seu peito, como se procurasse uma peça faltando.
Ethan olhou para ela com um misto de compaixão e apreensão. Havia muito mais nela do que ele podia entender, mas uma coisa estava clara: a missão estava se tornando ainda mais perigosa, e os stakes eram agora mais altos do que jamais imaginara.
— Então vamos encontrar essa chave, e a Biblioteca — disse Ethan, sua voz firme. — E nós vamos impedir que a Ordem faça o que planeja.
A viagem seguiu por mais dois dias, e, a cada passo, a sensação de estar sendo observado aumentava. O vento que cortava as montanhas parecia sussurrar, como se carregasse vozes distantes e inquietas. Cada noite, quando montavam acampamento, Elyss observava as sombras que se moviam à distância, e Ethan sentia os olhos das entidades desconhecidas pesando sobre sua alma.
Eles sabiam que o tempo estava se esgotando.
Quando chegaram finalmente aos pés das Montanhas de Varnheim, a paisagem estava coberta por uma espessa neblina. A entrada para a biblioteca estava oculta, como se o próprio lugar tentasse se esconder da vista. A grande porta de pedra que marcava a entrada parecia pulsar com uma energia inquietante, uma força mágica que desafiava a natureza.
— Esta é a entrada, mas algo não está certo — disse Seraphine, com um olhar atento.
Ethan sentiu a energia ao seu redor. O ar parecia mais denso, e a presença do Fragmento da Memória estava mais forte do que nunca. A sensação de estar sendo observado, de ser puxado para algo profundo, era quase insuportável.
— Vamos entrar — disse Ethan. — E, se necessário, enfrentaremos qualquer coisa que estiver esperando por nós.
Dentro da biblioteca, o silêncio era absoluto. As estantes estavam cobertas de poeira, e os livros se empilhavam como se o tempo tivesse parado. Mas no centro do salão, uma esfera de luz flutuava, contendo o Fragmento da Memória, em sua forma pura. Ethan sentiu um arrepio correr por sua espinha.
Ele sabia que não estavam sozinhos.
— A Ordem... — sussurrou Elyss, seus olhos apertados contra a escuridão crescente.
Antes que pudessem avançar, a biblioteca se iluminou com uma luz vermelha intensa, e uma figura sombria apareceu à sua frente.
— Vocês vieram atrás do que não entendem — disse a figura, a voz profunda e cheia de malícia. — Mas agora, tudo o que resta é a destruição.
Ethan preparou-se para o confronto que sabia que estava por vir. O destino do mundo estava prestes a ser decidido.