**(Ponto de Vista: Lucius Freimann)**
Depois do meu rápido encontro com o Conde Albert, Margareth nos chamou para entrar. Caminhando pelos corredores, tive aquela sensação de sempre: cada canto daquela casa respirava nobreza, riqueza e um conhecimento arcano que parecia flutuar no ar. Os corredores eram decorados com vasos que, sem exagero, deviam custar o que nosso feudo arrecada em um mês inteiro. Nas paredes, quadros contavam a história dela — como uma simples plebeia chegou ao topo da Nobreza Arcana.
O corredor era longo, e só paramos em uma antessala. Lá, Margareth pediu para Elian esperar enquanto nós dois seguíamos para outra sala.
— Sente-se, Lucius. — disse Margareth, me olhando direto nos olhos.
Sentei na poltrona que ela apontou. Ficamos frente a frente, ela acomodada num sofá de três lugares. Enquanto me ajeitava, dei uma olhada rápida pela sala.
Era um lugar claro, com uma lareira acesa no canto esquerdo. Em cima dela, vasos com flores vermelhas, acho que rosas. Do outro lado, flores brancas, que pareciam lírios. O ar tinha um cheiro bom de flores, suave, que devia vir delas.
Nas paredes, mais quadros: cenas de batalhas, espadachins e arcanistas lutando contra monstros enormes e soldados — talvez do reino de Alafia. Na minha frente, uma mesinha onde uma criada tinha acabado de deixar um bule de chá.
Esperei a Anciã Margareth tomar o primeiro gole, por respeito. Assim que colocamos as xícaras de volta na mesa, fiquei quieto, esperando ela começar a falar.
Mil perguntas passavam pela minha cabeça. O que ela queria me dizer? Tinha a ver com a visita do Conde? Será que ele mandou ela parar de ensinar meu filho? Essas ideias me deixavam ansioso. Eu já estava quase pirando, mas sabia que ficar pensando besteira não ia adiantar. Respirei fundo, tentando me acalmar, e aí Margareth começou.
— Lucius, antes de mais nada, a visita de Albert foi oficial. Na verdade, uma visita de verificação, pedida pelo Reino. Não preciso explicar os motivos, mas antes que você comece a criar teorias… não tem nada a ver com seu filho.
Ela levou a xícara aos lábios com calma, tomou mais um gole, sem tirar os olhos de mim. Acho que ela já tinha sacado a confusão na minha cabeça. Ela realmente me conhece... pensei, um pouco sem graça.
— Então… o que exatamente a senhora gostaria de falar comigo, Anciã Margareth? — perguntei, tentando manter a voz respeitosa.
O olhar dela mudou. Ficou mais firme, quase me repreendendo, como se não gostasse do jeito que a chamei. Então, falou baixo, mas direto:
— Lucius… — fez uma pausa curta —, quando estivermos sozinhos, pode me chamar de vovó, como você fazia quando era criança.
Fiquei quieto por um momento, olhando para ela, enquanto lembranças antigas voltavam. Lembrei dos dias em que eu vinha escondido para a mansão da vovó Margareth brincar com ela. Mesmo ela tendo “deserdado” meu pai por política — para protegê-lo da perseguição da Nobreza de Sangue Puro e do antigo rei, que odiava a Nobreza Arcana —, ela nunca deixou de ser nossa família. Meu pai, apesar de tudo, nunca me proibiu de vê-la. Ele mesmo nunca deixou de visitá-la. Mas, por segurança, sempre tivemos que agir como simples vassalos, não como netos.
— Mesmo que a senhora diga isso… é meio difícil chamá-la de vovó. Eu sei dos sacrifícios que a senhora fez, mas…
Eu queria tanto chamá-la assim. Queria correr e abraçá-la como antigamente. Mas alguma coisa me segurava. Algo invisível me impedia. Eu sabia que estava errado. Sabia que ela nos ama mais que tudo. Sabia que aceitou treinar Elian por minha causa, por teimosia minha. Então… por que eu não conseguia?
— Tudo bem. — respondeu ela, com um sorriso leve. — Não precisa forçar. Mas lembre-se: sempre serei sua avó. Assim como sou bisavó de Elian… e sua mestra. Uma hora, vamos ter que contar isso a ele. Mas não foi por isso que te chamei aqui. O assunto é outro.
Ela me olhou firme antes de continuar:
— Lucius… você pretende treinar o Elian como um Espadachim Arcano, como seu pai te treinou?
Espadachim Arcano... murmurei baixo.
— Sinceramente? Eu estava pensando nisso. Mas por que a pergunta?
— Bom… eu te aconselho a não fazer isso. Não que ele não tenha talento, muito pelo contrário. Mas acho que ele se dará melhor como um Arcanista. Como eu. Claro, não estou dizendo para proibi-lo de aprender a usar espadas… ensine o básico, o suficiente para ele se defender se alguém chegar perto. Mas o caminho dele é outro. Deixe-o ser um Arcanista.
Ser um Arcanista... Eu sabia que ela estava certa. Elian despertou cedo demais — e já como Centelha. Era o sinal mais claro de que a alma dele nasceu para as artes arcanas. O caminho certo era esse. Mas… meu orgulho teimava em não aceitar.
Enquanto eu me perdia nesses pensamentos, vovó Margareth me olhava daquele jeito que parece ler a alma. Então, continuou:
— Eu sei o quanto seu orgulho como Espadachim Arcano é grande. Você se espelhou no seu pai — meu filho —, que se espelhou no avô dele. É um legado bonito. Mas confie em mim, Lucius: o talento do seu filho é diferente. Ensine-o a usar uma espada, sim… mas só o básico. Deixe que eu o forme como Arcanista.
Nesse momento, ela olhou direto nos meus olhos e — para minha completa surpresa — fez uma reverência ali mesmo, sentada. Uma reverência profunda, cheia de significado. Sua voz veio logo depois, baixa, mas firme:
— Hoje sou eu quem te pede: deixe-me treiná-lo como um Arcanista. Por favor, Lucius.
Fiquei sem palavras. Nunca pensei que veria uma Arquiduquesa — mesmo sem o título oficial — baixar a cabeça para um simples Baronete. E ainda mais: para o próprio neto.
— Levante a cabeça, vovó. — pedi, falando baixo.
Ela me olhou e obedeceu, com um sorriso leve. Respirei fundo e continuei:
— É verdade que eu gostaria que ele fosse um espadachim, como eu… mas também sei que ele seria melhor como um Arcanista.
Era a pura verdade. Mesmo que meu orgulho gritasse contra, eu sabia. Elian era especial. O fato de ter despertado tão cedo, como a própria vovó Margareth, era algo que não dava para ignorar.
Olhei para ela com carinho e disse:
— Cuide bem dele, vovó. Só te peço uma coisa.
— O quê? — perguntou ela, ainda sorrindo.
— Não deixe sua raiva contra o Reino atrapalhar o que vai ensinar a ele. Elian ainda é muito novo para entender o que aconteceu na guerra. Sei que a senhora é justa e não deixaria sentimentos ruins influenciarem suas decisões… mas, por favor, deixe que ele tire as próprias conclusões quando crescer.
— Claro! — respondeu ela, com firmeza. — Mesmo que eu guarde um ódio profundo pela Nobreza de Sangue-Puro, jamais tentaria fazer ele sentir o mesmo. Aliás… — disse, com um olhar divertido — acho que você já percebeu isso, lá no encontro mais cedo.
Enquanto falava, um sorriso doce e sincero apareceu no rosto dela. Não tinha amargura ali, só ternura.
— Tem outro assunto que eu queria falar com você. — disse ela, num tom mais leve. Concordei com a cabeça, e ela continuou: — O aniversário de três anos do Elian está chegando. O que você pretende fazer para ele?
Era verdade. Daqui a cinco dias, Elian faria três anos. Não que eu tivesse esquecido, mas... nos dois primeiros aniversários, mesmo com a vovó nos visitando, ela nunca tinha tocado no assunto.
Será que ela se apegou tanto assim a ele? Pensei.
— Provavelmente vamos fazer uma comemoração pequena. Nada muito grande… já que ele ainda não tem amigos, vai ser algo mais simbólico. Por que a pergunta?
Ela me olhou daquele jeito que sempre vem antes de uma ideia inesperada.
— O que acha de fazermos a festa aqui, na mansão?
— O quê? — perguntei, surpreso. — Tem certeza, vovó? Mesmo depois de tanto tempo tentando ficar afastada para não nos meter em problemas… o que mudou?
Ela sorriu. Aquele sorriso doce, encantador, mas dessa vez com algo a mais: alegria de verdade.
— Os tempos são outros, Lucius. Mesmo que eu ainda seja vista como uma Pária por causa da guerra, o antigo rei — aquele porco bajulador da Nobreza de Sangue-Puro — já não está mais no trono. — A expressão dela ficou sombria por um segundo, os olhos duros com a lembrança. Mas logo voltou a sorrir e continuou:
— Além disso, Elian é meu aprendiz agora. Ele já vai carregar o peso de ser treinado por mim. Fazer a festa aqui ou não, não vai mudar isso. Mas sabe o que vai mudar? Eu vou poder dar um presente digno a ele… digno de um futuro Arcanista.
Então ela vai começar a mimar ele… igual fazia comigo quando eu era pequeno?
Não consegui segurar o sorriso. Era bem a cara da vovó fazer isso.
— Não posso prometer nada agora… — respondi, tentando não rir — mas vou falar com a Maria e depois te dou a resposta. Combinado?
Ela concordou com um olhar compreensivo.
A conversa acabou ali. Levantamos e fomos até a antessala, onde Elian brincava sozinho. Cheguei perto, o abracei forte e me despedi, prometendo voltar para buscá-lo à noite.
E, só para registrar…
Maria adorou a ideia de fazer o aniversário na mansão da vovó Margareth.