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Chapter 47 - Que Nada Jamais Deveria Ter Sido 

A Terminus Est caiu no abraço macio das teias de aranha. 

O aperto em sua empunhadura havia sido interrompido, e seu portador se desfazia em uma névoa branco-acinzentada. 

Imbuído por uma radiância flamejante, o corpo do jovem tornara-se efêmero e translúcido — oscilando como uma miragem.

Seus olhos haviam fechado, e a expressão em seu belo rosto permaneceu pacifica. 

Gradualmente, o abrigo abandonado foi preenchido por uma luminescência etérea que parecia vir de algum lugar além, permeando a névoa que já cobria todo o grande ninho. 

A luz do sol foi encoberta, e as sombras foram dissipadas. 

O fenômeno tomara o lugar da forma do jovem, que agora se tornara uma pequena esfera de enigmático cristal branco‑áureo, resplandecendo mansamente no centro de tudo.

Era como uma estrela envolta em sua própria nuvem de gases ricos.

Embaixo dela, havia a teia branca e arenosa; ao redor, galhos grossos e negros; sobre ela, folhagens densas de um tom vermelho-sangue. 

Uma ária inaudível soava pela atmosfera solene e calorosa. 

*** 

[Sua Memória foi destruída.] 

[Sua Habilidade Inata foi incrementada.] 

Ele ouviu a voz terna e invariável do Feitiço sussurrar em sua mente adormecida. O Sonhador, acolhido pela maciez branca, moveu-se preguiçosamente, e um sorriso confortável tocou seus lábios. 

Um segundo se passou, depois outro... 

{...} 

Então, levantou-se abruptamente — os olhos atentos sondando os arredores. 

'Primeiro: não estamos em uma maca de hospital.' 

'Segundo: minha visão está melhor... ou misteriosamente profunda.' 

'Terceiro: ainda sou um humano real e uma pessoa perfeitamente normal?' 

O Artesão da Fantasia suprimiu o nervosismo paranoico e olhou corajosamente para si mesmo. 

'Duas pernas, dois braços, cinco dedos em cada mão... certo.' 

Tocou os cabelos. 

'Ainda está como antes... e nenhum chifre.' 

Quando ele estava prestes a se dirigir à sua espada — para brincar sobre como ela estava certa em dizer que não era uma boa ideia sair por aí, de boa vontade, ingerindo maldições abomináveis — sentiu medo. 

Com uma calma ainda traída pelos dedos ligeiramente trêmulos, levava as mãos às orelhas. 

Sentia algo diferente nelas. 

Recolheu a manifestação das luvas. 

E as tocou... 

Parcialmente ocultas pela cascata alva, estavam orelhas... 

"Alongadas... e pontudas... certo, tudo bem... Apenas, um elfo." 

Ariandel suspirou profundamente. Isso era perfeitamente aceitável— 

"Não, espera! Cadê a minha sombra?" 

Enquanto uma parte de sua mente reparava em como suas mãos estavam um pouco mais claras — um tom moreno médio levemente dourado — outra deu por falta de algo. 

Levantando-se — e recuperando a Terminus Est — ele procurou ao redor de si pela projeção penumbral de sua própria silhueta.

Ariandel até interrompeu uso de sua Habilidade, afinal, faria bastante sentido que sua luminosidade não deixasse espaço para sua sombra ser visível. 

Apesar da breve esperança que aquela hipótese razoável trouxe, após toda a busca minuciosa, ele apenas confirmou que, de fato, sua sombra não estava em lugar algum... 

"Isso ainda está bem, ou não está?" murmurou, ligeiramente otimista, enquanto ponderava os possíveis reveses de não ter sombra. 

A radiância branco-áurea flamejante voltou a infundi-lo, acariciando os arredores com sua suavidade. 

"Também sou inspirado no Peter Pan?" falou por fim, divertindo-se sozinho — julgando a preocupação como desprovida de proveito. 

Havia algo mais imediatamente produtivo a fazer. 

Ariandel procurou por mudanças em sua página de runas. Seus enigmáticos olhos, como dois espelhos de ouro polido, percorreram o ar à frente com foco discreto. 

Então, encontraram algo novo — entre outras coisas dignas de menção: 

======= 

Atributos: [Peregrino], [Vigia da Alma], [Luz da Divindade], [Elemento Onírico], [Encantado]. 

==== 

Habilidade Inata: [Ser Onírico]. 

Descrição da Habilidade: [Como um ser formado por sentimentos indescritíveis e lembranças esquecidas, você é extraordinário... e incomum: 

Seu olhar possui uma profundidade misteriosa; 

Sua percepção é capaz de perscrutar o coração, a mente, a alma; 

Seu sangue possui uma persistência bizarra; 

Seu corpo se sustenta com a essência onírica de sua alma.] 

==== 

[Manifestação da Alma Lírica]. 

Descrição da Habilidade: [Sua alma manifesta a forma de seu coração: um receptáculo insone de valor ardente, envolvendo-o em um poder radiante.] 

======= 

A nova manifestação de sua alma lírica estava intensificando suas forças, a patamares dignos de um Monstro. A [Lâmina de Ariandel] permitia que o Espírito da Espada recebesse, simultaneamente, os mesmos benefícios. 

Havia uma quantidade considerável de Atributos... a descrição perturbadora do quinto veio à mente do Formado dos Sonhos. 

Contudo, foi a ausência de uma [Trama de Sangue] que reteve sua atenção. Na descrição atualizada de sua Habilidade Inata, Ariandel encontrou uma pista sobre a causa — a partir dela, elaborou uma razão: 

A [Gota de Icor] deveria ter alterado seu sangue, mas quem determinava a composição de seu corpo não podia ser um Atributo. Isso seria incompatível com [Ser Onírico], que já sustentava, em suas veias, a real ilusão de sangue e todos os seus proveitos. 

Assim, para alcançar seu propósito, a linhagem proibida teve de ser integrada como efeito de sua Habilidade Inata... ou então esse alicerce teria de ser invalidado — algo que obliteraria o jovem sem nome, conhecido como ‘Ariandel’. 

Algo nessa linha de raciocínio, ele refletia... 

"Eu consumi a linhagem de Weaver ou foi ela infundida em meu Aspecto? O que isso implica? Hum... espera, essas duas alternativas não produzem os mesmos efeitos?" 

Suas feições estavam ligeiramente marcadas pela confusão. 

"Sinto-me cada vez mais intrigado." 

Ariandel moldou a forma do Manto do Peregrino. 

{São questões além de nossa capacidade atual, eu suponho.} 

Ele riu com gentileza. 

"Concordamos que a linhagem da Sombra foi vingada?" 

Na dúvida, brinque e se divirta — os problemas do futuro serão resolvidos pelo eu do futuro, pensou o Espelho de Ouro. 

{Camisa de linho branco-acinzentada, calça de algodão fino, em tom cinza, sapatos de couro pretos, cinto e luvas igualmente discretos.} 

O Espírito da Espada apreciou a nova aparência de seu portador. Ele usara o encantamento [Armadura Onírica] para vestir-se com leve formalidade. 

Em meio ao cenário surreal do Reino dos Sonhos, apresentava-se um elfo moreno, de longos cabelos brancos imaculados, trajado com vestes mundanas, bem arrumadas e de bom gosto. 

Portava-se com refino e uma calma confiante. Era envolto por uma ardência mansa — e não projetava uma sombra. Uma sublime espada longa, de lâmina reta, repousava contra seu ombro. 

Os olhos místicos do belo jovem reluziam, divertidamente, com um enigma digno e amável. 

“Um novo homem, uma nova veste.” 

Ariandel também formou um par de óculos de sol redondos e, curiosamente, colocou-os no rosto — não teve dificuldade em ajustar a armação fina às suas novas orelhas. 

“Ainda posso ver claramente, mesmo com o filtro escuro.” 

Percebera que era capaz de perfurar as sombras com o olhar; agora podia enxergar no escuro — talvez até através da própria escuridão — e estava ansioso para experimentar os limites dessa habilidade. 

As lentes com proteção ultravioleta — formadas como parte do Manto do Peregrino — não tiveram qualquer efeito em obscurecer sua visão. Contudo, obstáculos mais opacos, como a copa da árvore ao redor, continuava a limitar o alcance de sua visão. 

Momentaneamente satisfeito, o Artesão da Fantasia mudou de foco. Ele invocou o Fragmento da Meia‑Noite e concentrou‑se, recordando o esplendor áureo que inundara sua visão. 

Um leve sorriso curvou‑se em seus lábios. A Memória revelara‑se de forma diferente para ele. Sob a superfície do austero tachi, três brasas brilhantes iluminavam com sua luz etérea. 

Cada uma delas representava um nexo e uma âncora de incontáveis fios de diamante que se estendiam por diferentes partes da arma — tecendo um padrão intrincado, elaborado e imprevisível. 

{Evoca o vazio interno do Feitiço, realmente.} 

O Insigne Artesão da Fantasia assentiu gentilmente para o Espirito da Espada, seu olhar diante da elegante obra em suas mãos derreteu‑se calmamente. 

Seu sorriso se fez sonhador. 

“Ahh...” 

Uma sugestão de compreensão lhe veio com naturalidade. 

Ele sentiu a lógica por trás do posicionamento aparentemente aleatório das cordas. 

Era como se uma razão fantasiosa cantassem para o entendimento dele. 

"Existe um motivo para esperar antes de começar a aprender tecelagem?" perguntou Ariandel a si mesmo, em retórica. 

Ele dividiu seu foco em dois novamente. 

"Não há, na verdade. O [Tear da Fantasia] já nos permite imaginar fios de essência onírica, e imprimi-los diretamente em um nexo também deve ser possível", respondeu o Artesão da Fantasia a si mesmo, desde o Mar da Alma. 

As tentativas de sentir a essência da alma foram bem-sucedidas, mas tentar infundi-la para se fortalecer — ou para qualquer outro fim — não foi tão proveitoso. Isto é, exceto pela descoberta, em meio ao tédio, de que seu Legado de Aspecto não tinha ‘tear’ no nome à toa. 

Assim, confiando a arte da tecelagem ao seu eu interior, Ariandel havia concluído tudo o que viera fazer ali, na parte mais alta da Árvore Devoradora de Almas. Faltava agora apenas deixar o terror para trás — e fazê-lo antes que surgissem problemas para resgatar seus companheiros de suas garras.

"São cinco, certo?" 

{Com seu 'poder radiante' fortalecendo a [Vigia da Alma], o feitiço da Árvore das Almas tem ainda menos efeito sobre você.} 

"Você também pode me ajudar a lembrar, não é?" 

{Sim, meu portador.} 

O Artesão da Fantasia estendeu sua espada à frente, o olhar sobre aquela obra-prima lindíssima tornando-se discretamente destemido e confiante. 

"Vamos. Hora de velejar pelo mar escuro." 

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