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Capítulo — Ecos da Prisão
Prisão de Espelhos – Noite
As paredes não tinham começo nem fim. Espelhos partidos flutuavam entre colunas de névoa, refletindo rostos que não eram de agora — memórias distorcidas, gritos engasgados em ecos. A umidade impregnava o ar como um veneno lento, e o tempo parecia dobrar-se, estilhaçado.
Kátyra acordou sobre um leito frio de pedra. As correntes em seus pulsos estavam soltas, mas ela não conseguia se levantar. Um vazio estranho a tomava por dentro. Como se tivesse sido roubada de si.
Ela tentou se lembrar da noite anterior… mas tudo vinha em flashes desconexos:
Um vulto de olhos dourados.
Chamas distantes.
A sensação de algo sendo arrancado.
O som da própria voz... implorando?
Seu corpo doía, e o braço onde as runas brilhavam antes agora estava apagado, como se a centelha tivesse se retraído.
Ela levou a mão ao ventre, instintivamente. Um calafrio a percorreu.
A porta de aço rangeu.
Um Darxa entrou, seguido por uma mulher com um véu negro. Esta carregava um frasco com líquido prateado — uma poção de memória.
— Sua mente resistiu mais do que o esperado — murmurou o Darxa. — Mas tudo tem um preço.
— O que… vocês fizeram comigo? — A voz de Kátyra era rouca, quase irreconhecível.
A mulher se aproximou. Tocou o rosto da princesa com um gesto quase materno.
— Não lute contra a névoa. Logo, esquecerá que houve um antes.
Mas o olhar de Kátyra, mesmo turvo, queimava.
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Castelo da Rocha de Marfim – Masmorras
Tharion estava pendurado por correntes negras, o corpo nu e coberto por cortes profundos, como mapas traçados a ferro quente. A água escorria pelas paredes, misturando-se ao sangue no chão. A cada gotejar, um feitiço o perfurava de novo, impedindo seus músculos de curar.
O inquisidor Darxa caminhava ao redor dele, lento, com uma tocha azul que queimava sem emitir calor.
— Já disseram que os Bardaxas resistem mais que os humanos — comentou, como se falasse do clima. — Mas você... é exceção até entre os mestiços.
Tharion mal conseguia manter os olhos abertos, mas ainda sorria com escárnio.
— Continue... falando... Talvez isso te convença de que é mais do que um cão obediente.
O Darxa afundou a tocha no ferimento do ombro esquerdo. A carne crepitou.
— Você pensa que está salvando ela? Você não é o herói da história, híbrido. Você é só o aviso. Um exemplo.
Tharion rangeu os dentes até a mandíbula quase quebrar.
— Quando ela... se erguer... vai queimar vocês todos.
O Darxa parou, pensativo. Depois, sorriu.
— Mas até lá... ela será a mãe do novo legado.
Ele se virou e saiu da cela, deixando a tocha azul flutuando sozinha, girando lentamente como um farol no escuro.
Tharion caiu em silêncio. Mas seus olhos, mesmo prestes a se fechar, ainda miravam a saída. Ele não chorou. Não gemeu. E não desistiu.
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Prisão de Espelhos — Amanhecer
Kátyra estava sentada, o rosto pálido voltado para o reflexo distorcido no espelho à frente. Ela não se reconhecia. Não ainda.
Mas as runas começaram a brilhar. Fracas, sim — mas vivas.
Ela sussurrou uma única palavra, antiga, da língua do Clã de Cristal. Uma palavra que sua avó lhe ensinara antes de morrer.
O véu tremeu levemente.
Ainda havia algo dentro dela.
Algo que Erizy não havia conseguido apagar.
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