Cherreads

Chapter 23 - Capítulo 23: Os Olhos que Espreitam nas Ruínas

O mundo parecia diferente.

Ethan abriu os olhos, ainda ajoelhado no centro da câmara onde havia tocado o Coração do Vínculo. A luz dourada havia se dissipado, deixando para trás um leve brilho no ar — como o rastro de uma estrela cadente. As paredes vivas da árvore tremiam de forma sutil, como se um novo ciclo tivesse sido iniciado, e o pedestal de cristal agora estava reduzido a fragmentos flutuantes, cintilando suavemente.

Mas o que mais chamava atenção não era a mudança do lugar.

Era ele.

O símbolo recém-marcado em seu peito ardia levemente, embora não houvesse dor física. As correntes entrelaçadas pareciam se mover sutilmente sob a pele, e Ethan sentia — não com os olhos, mas com algo mais — um fio invisível conectando seu coração a algo distante. Um elo pulsando com vida.

— …O Elo Primordial… — sussurrou, como se a própria palavra fosse pesada demais para ser dita em voz alta.

Ele havia passado no teste. Havia despertado um poder há muito tempo esquecido.

Mas aquele despertar não havia passado despercebido.

Muito longe dali, nos confins de uma floresta sombria, um antigo altar de pedra rachada, coberto por raízes e musgo, se iluminou com uma luz escarlate. O símbolo da corrente entrelaçada, o mesmo que agora estava gravado em Ethan, brilhou brevemente na superfície do altar — antes de se partir ao meio.

E, de dentro das ruínas esquecidas, olhos se abriram.

Olhos que não viam havia séculos. Olhos famintos.

— Está recomeçando… — uma voz gutural ecoou, tão antiga que parecia pertencer à própria terra.

Enquanto isso, Ethan deixava a câmara lentamente. O caminho de raízes havia mudado, agora mais estreito, mais instável, como se a Árvore da Escolha estivesse tentando se recompor após o despertar do artefato.

Ele sentia os efeitos colaterais da fusão com o Coração. O ar ao seu redor reagia à sua presença. Pequenos espíritos da floresta — formas translúcidas em formato de animais e folhas — espiavam de longe, com medo e reverência.

Mas não estava sozinho.

No limite da clareira, à sombra de um pilar de pedra, uma figura o aguardava.

Era uma mulher. Alta, de cabelos escuros presos em um coque firme, vestindo uma túnica escarlate marcada com o símbolo da Ordem de Prata, uma organização secreta da qual Ethan ouvira sussurros, mas nunca tivera provas de sua existência.

Ela não parecia surpresa ao vê-lo. Nem mesmo assustada com a presença do símbolo que brilhava em seu peito.

— Você é Ethan. O novo Elo. — disse ela, com voz firme.

Ele parou a poucos passos dela, tentando entender se ela era uma aliada ou uma ameaça.

— E você é…?

— Meu nome é Maerlyn. Venho em nome do Conselho Invisível. — ela respondeu. — E estou aqui porque você acaba de atrair a atenção de forças que nunca deveriam despertar. Precisamos conversar. Agora.

Ethan permaneceu em silêncio por um momento. O nome Conselho Invisível não era estranho. Ele o ouvira uma única vez, nos registros de seu pai adotivo, entre papéis proibidos e mapas cobertos por runas. Era uma aliança de magos, caçadores e estudiosos que operavam à margem das grandes seitas e impérios espirituais. Os verdadeiros guardiões do equilíbrio.

Ou ao menos, era o que diziam.

— O que você quer de mim?

— Não é o que eu quero. — disse Maerlyn, encarando-o com intensidade. — É o que você acabou de fazer. O Coração do Vínculo era um selo. Um selo sobre um dos Sete Ecos. E agora… o primeiro foi liberado.

Ethan franziu o cenho. — Ecos?

Maerlyn deu um passo à frente. — Fragmentos da antiga criação. Fragmentos que contêm forças capazes de remodelar a realidade. Forças que foram seladas após a Primeira Ruptura — a guerra esquecida entre os moldadores do mundo e os filhos do vazio.

Ela parou diante de Ethan e olhou diretamente para o símbolo em seu peito.

— O Elo que você carrega não é um presente. É uma chave. E a primeira porta acaba de se abrir.

Antes que Ethan pudesse responder, o chão tremeu.

Maerlyn imediatamente se virou para o sul. Seus olhos brilharam em alerta.

— Eles chegaram mais rápido do que eu imaginava… — murmurou, e puxou uma adaga curva, feita de um metal azul profundo.

De dentro da floresta, uma névoa negra começou a se espalhar, rastejando como dedos ansiosos. Ecos guturais preenchiam o ar, acompanhados de estalos e sons de ossos sendo arrastados. Figuras começaram a se formar na névoa — seres de aparência disforme, com olhos múltiplos e corpos feitos de carne corroída por energia corrompida.

Ethan sentiu o símbolo em seu peito queimar novamente. As criaturas estavam ligadas àquilo que ele havia despertado.

Maerlyn gritou — Não deixe elas te tocarem! São Espreitadores! Criaturas que vivem nas bordas da realidade!

Ethan sacou sua arma espiritual, uma lâmina ainda inacabada, formada da energia que ele havia cultivado até agora. A fusão com o Coração pareceu responder ao perigo, revestindo sua lâmina com uma aura prateada viva, como se a energia dos vínculos quisesse proteger seu portador.

A primeira criatura avançou com velocidade monstruosa, suas múltiplas bocas abrindo-se em silêncio.

Ethan girou o corpo, desviando por instinto. A lâmina atravessou a criatura com um brilho cortante. Ao ser atingida, a criatura se desfez como cinzas levadas pelo vento.

Mas mais vinham.

Dezenas.

Maerlyn invocou um círculo mágico sob seus pés. Runas vermelhas explodiram ao seu redor e pilares de fogo surgiram do chão, queimando as criaturas que se aproximavam.

— Não podemos ficar aqui! Se o Coração reagir com a presença deles por tempo demais, o Elo se desequilibra — e você pode ser corrompido!

— Então vamos sair. Agora! — Ethan gritou.

Os dois correram pela trilha oposta à clareira, cortando a floresta com velocidade. Mas mesmo enquanto fugiam, Ethan podia sentir a mudança em seu corpo. Algo dentro dele se agitou com a proximidade dos Espreitadores. Algo… adormecido.

Mas não por muito tempo.

Ele não sabia ainda o que tinha acordado no mundo.

Mas o que quer que fosse... estava faminto.

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